Antes do São Lucas
Encontrei Leopoldo Schimidt na portaria do edifício às três da tarde de 17 de junho. Num trecho exatamente em frente, atravessamos a avenida fora da faixa de segurança, onde há uma brecha do guarda-corpo que separa o canteiro – um hábito corriqueiro dos moradores – e caminhamos em direção à esquina da rua Ramiro Barcelos. Neste curto percurso até chegarmos ao local em que combinamos de conversar, o engenheiro mecânico de 75 anos começava a me contar sobre a vinda de sua família da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, os anos em que viveram no Edifício América e das lembranças de uma Independência menos agitada. Num pequeno café da Galeria Moinhos de Vento, cujo endereço décadas atrás foi a sede do Consulado Japonês e uma das casas mais bonitas de Porto Alegre, me sentei com ele para falarmos sobre o que havia antes do São Lucas.
Fotografia de acervo desconhecido da década de 20 mostra o Consulado Geral do Japão, na esquina das ruas Ramiro Barcelos com avenida Independência. À esquerda é possível ver o portão que cercava a Praça Júlio de Castilhos.
Classificados do Diário de Notícias confirmam a existência do Consulado ainda em 1968.
Em 1949, Edmund e Hilda Schimidt, começaram a morar no Edifício América, um dos primeiros condomínios de arquitetura moderna da Independência. No prédio, localizado a poucos metros do São Lucas, no número 1182, ficava a floricultura de Hilda, a Florilândia, que permaneceu na região por longos anos.
O Edifício América, no nº 1182, onde a família Schimidt morou na década de 1950. Leopoldo assistiu de seu quarto toda a execução da obra do São Lucas.
Como faziam as famílias descendentes de alemães em Porto Alegre, Leopoldo e seu irmão estudaram no Colégio Farroupilha, que na época, durante o Ginásio, ainda ficava no Centro, onde hoje é o Plaza São Rafael. “Naquela época tu escolhia entre três línguas: alemão, inglês e francês. E eu não sabia alemão, minha mãe nunca ensinou. Tanto pra mim, quanto pro meu irmão”, conta Leopoldo. Hilda tinha medo seus filhos ficarem com sotaque alemão, “porque deu muita bronca aqui em Porto Alegre e os alemães estavam sendo perseguidos. Eu tinha tios meus que tiveram a casa invadida pela polícia”.
Leopoldo recorda que a região da Independência era uma “calmaria” nesta época, com grandes chácaras, palacetes e casarões. Em certas datas comemorativas, como Dia dos Namorados e Natal, ele ajudava a entregar pedidos da floricultura da mãe, pois a logística de entregadores da loja se resumia a poucos. “Não havia esses entregadores de moto que tem hoje, era tudo a pé”, remonta o engenheiro. Numa destas ocasiões, ele conta que odiava entregar flores na casa de Martha Chaves.
Antiga casa da Família Chaves, entre a Sociedade Germânica e o Hospital Fêmina. Hoje, o local é o centro empresarial Mostardeiro Cinco.
Ouça o relato de Leopoldo Schimidt sobre as entregas da floricultura na década de 50.
Cruzamento da Avenida Independência com Rua Ramiro Barcelos, no início dos anos 1960, em que o Edifício São Lucas aparece bem ao centro da foto. Crédito: Acervo Grupo Casarões e Outras Querências
Além vizinhança, os bondes elétricos também fizeram parte da infância de Leopoldo. Um dos episódios que mais lhe marcaram aconteceu por volta de 1955 quando o departamento de esgotos do município abriu uma grande vala na avenida para uma obra de saneamento.
Ouça o relato sobre a encrenca em que Leopoldo se meteu com os bondes da Independência.
A Família Schimidt se mudou para o Edifício São Lucas por volta de 1965. Leopoldo não soube precisar exatamente a data em que eles se mudaram, mas dado o fato de que moravam bem ao lado, se mudaram tão logo quando o prédio foi concluído.
Já no novo apartamento, Edmund Schimidt tinha uma kombi, que utilizava para transportar flores e plantas da loja. Leopoldo recorda como seu pai irritava-o quando precisava sair com o veículo do subsolo, onde ficava a garagem do apartamento deles.
Ouça o relato de Leopoldo sobre como seu pai subia a rampa da garagem.
As felicitações de ano novo da floricultura dos Schimidt aparece no Diário de Notícias de 1º de janeiro de 1960.
Leopoldo se formou em engenharia e dois de seus colegas da faculdade viriam a se relacionar também a história do São Lucas: Martins e Chaves.